Por:
Waldemar
Marques Guimarães Neto (Professor de Educação Física)
Osvaldo do
Rosário Neto (Nutricionista)
“A gordura queima na fogueira dos
carboidratos”! Quem nunca leu esta expressão em alguns livros ou ouviu de
alguns professores, mestres e doutores referindo-se a ineficiência de realizar
aerobiose em jejum? De uma forma geral, eles afirmam que a oxidação de lipídios
só ocorre na presença de glicose. Após um período de jejum de aproximadamente
7-9 horas, segundo eles, não adianta realizar uma atividade aeróbica moderada para
potencializar a lipólise, pois a reserva de glicogênio apresenta-se
insuficiente para tal processo.
Em
nossa experiência prescrevendo exatamente a atividade aeróbia em jejum durante
quase duas década observamos justamente o contrário. Vale ressaltar que não é
apenas a prática que corrobora a maior oxidação de gorduras quando o aeróbico é
realizado em jejum. O pesquisador sueco Torbjorn Akerfeldt aponta ser possível
solicitar três vezes mais gordura se exercitando pela manhã, em jejum,
comparado à mesma atividade promovida no período da tarde após as refeições.
Akerfeldt ainda recomenda pelo menos seis horas em jejum antes da atividade.
Nessa situação, acredita Akerfeldt, que o organismo não tenha muito glicogênio
estocado para ser solicitado como fonte de energia, ou seja, teria que ir
direto aos depósitos de gordura para fornecimento de energia para que se possa
completar a atividade.
Desde
a publicação de seus estudos na renomada, mas extinta Revista norte americana
Muscle Midia, no início da década de 1990, utilizamos sua proposta baseando-nos
na tentativa com diversos atletas do bodybuilding internacional com sucesso.
Nessa época estávamos no interior do maior templo do bodybuilding radical, nada
menos do que a Temple Gym em Birmingham no Reino Unido. Muito embora não
sedimentado em estudos conclusivos nessa época, nos foi muito eficiente a
estratégia. Devem imaginar a
estranhes que nos causou presunções opostas a efetividade de tal prática! Porém
alguns estudos animadores vêm sedimentando nossas experiências.
No
estado alimentado, a fonte predominante de energia é a reserva de glicogênio
hepático e muscular, e a maior participação dos lipídios ocorre somente após
20-25 minutos de atividade. As proteínas, por meio da via proteolítica, são
responsáveis por apenas 5-15% do fornecimento de energia neste processo. Já no
estado de jejum, devido à baixa reserva de glicogênio e conseqüente reduzida
participação da via glicolítica, a fonte predominante de energia são as
gorduras, por meio da beta-oxidação, ou seja, os triglicerídeos são quebrados
em glicerol e ácidos graxos e este último é convertido em Acetil CoA para
posterior entrada no ciclo de Krebs e oxidação (CHAMPE, HARVEY, FERRIER, 1996).
A literatura científica comprova que durante o aeróbio em jejum a presença de
glicerol e ácidos graxos livres no sangue é significativamente maior do que no
estado alimentado, reflexo da maior participação de gorduras (BOCK, RICHTER,
RUSSEL et al, 2005; PACY, BARTON, WEBSTER, GARROW, 1985).
No
jejum, a participação das proteínas se mantém entre 5-15% no processo de
geração de energia, ou seja, o catabolismo muscular não é intenso desde que
você não exagere no tempo e utilize alguns suplementos anti-catabólicos a fim
de reduzir a proteólise.
Torbjorn relatou em seus experimentos que a proteína degradada diminuiu
ao invés de aumentar durante a aerobiose em jejum. Em outras palavras, não se
experimenta catabolismo muscular, mesmo em jejum. Em decorrência da grande
utilização de ácidos graxos como fonte de energia no aeróbio em jejum. Segundo
Champe e colaboradores (1996), ocorre um aumento significativo na produção de
corpos cetônicos, responsáveis pela acidose sanguínea e conseqüente queda no
rendimento, além de toxicidade quando presente em grandes quantidades.
O objetivo do aeróbico em jejum não é
melhora de rendimento e sim maior queima de gorduras.
É
importante salientar que sempre aconselhamos, mesmo para atletas confirmados, a
introduzirem a aerobiose em jejum progressivamente, pois nem todas as pessoas
se adaptam facilmente a atividades com essa natureza. Em estado de repouso, o
organismo pode se adaptar ao jejum com certa facilidade, mas durante
exercícios, a situação pode não ser tão simples. Muitas pessoas não conseguem
se adaptar de forma eficiente à aerobiose em jejum e podem até desmaiar, reação
de defesa do organismo que pode provocar danos neurais (AUER, 1983; DE
COURTEN-MEYERS et al., 2000). Portanto, muito cuidado ao introduzir esse tipo
de proposta. Normalmente, recomendamos para indivíduos aparentemente saudáveis,
iniciar com um tempo de execução em torno de oito a 10 minutos, adicionando
mais dois minutos a cada duas sessões até chegar a um período de 20 a 40
minutos de atividade.
Mas afinal, qual a relação da expressão
“A gordura queima na fogueira dos carboidratos?”
No
interior do ciclo de Krebs, existe um intermediário denominado oxalacetato, que
é um dos responsáveis pelo funcionamento adequado do ciclo e oxidação do
metabólito. A glicose é o principal precursor deste intermediário, ou seja,
quando as reservas de glicogênio estão reduzidas a sua produção fica
comprometida e o ciclo não “gira” com perfeição, não oxidando as gorduras de
uma forma eficaz segundo alguns doutores. Informamos aos desinformados que a
glicose não é o único precursor do oxalacetato, a via proteolítica também tem
participação em menor grau (CURI, LAGRANHA, 2003). Além disso, nosso organismo
é inteligente o suficiente para deixar reservada uma quantidade suficiente de
glicose nas reservas corporais para atividade importantes, ou seja, a glicose
ainda participará da produção deste intermediário, em menor grau é claro. Esta
menor produção de oxalacetato causará uma queda de rendimento do indivíduo, mas
ressaltamos novamente: o objetivo não é rendimento, e sim a oxidação de
gorduras.
Algumas dicas importantes nesta atividade referem-se à utilização de
algum termogênico antes do aeróbico a fim de potencializar a lipólise, a
ingestão de 500 ml de água para prevenir desidratação, pois a água drena
fluidos para dentro da célula e evita a quebra protéica; e a administração de
aminoácidos de cadeia ramificada anteriormente com o objetivo de diminuir o
catabolismo protéico e a espera de 20-30 minutos para realizar a primeira
refeição do dia após esta atividade, pois o organismo continua a utilizar
ácidos graxos após o exercício durante este tempo.
Destaca-se ainda que outro horário satisfatório para a inclusão de
trabalho aeróbio efetivo para queima de gordura seria imediatamente após a sessão
de treino com pesos. Após um treino com sobrecargas, que irá variar de acordo
com os grupos musculares treinados, entre 30 e 40 minutos, costuma-se
aproveitar o tempo que falta para completar uma hora ou uma hora e pouco, em um
cicloergômetro qualquer. Nessa atividade extra já haveria uma solicitação
lipídica maior, porque glicogênio já fora requerido em quantidade expressiva na
atividade com pesos. Salientamos que essa estratégia não é utilizada no período
off season, a não ser que a pessoa esteja concentrando mais gordura corporal do
que o esperado nessa fase da preparação.
Diante
disto, é evidente que a aerobiose em jejum é mais eficaz com o objetivo de
maior oxidação de gorduras, contudo, o indivíduo sempre deve estar atento para
não exagerar no tempo, da intensidade e no uso prolongado desta técnica, afinal
todo exagero na vida é desaconselhado.
REFERÊNCIAS
CHAMPE, P. C.;
HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica Ilustrada. 4 ed. Porto Alegre: Artmed,
1996.
BOCK, K.; RICHTER,
E. A.; RUSSEL, A. P. et al. Exercise in the fasted state facilitates fibre type
specific intramyocellular lipid breakdown and stimulates glycogen resynthesis
in humans. J Physiol, v. 564, n. 2, p. 649-660, 2005.
PACY, P. J.;
BARTON, N.; WEBSTER, J.; GARROW, J. S. The energy cost of aerobic exercise in
fed and fasted normal subjects. The American Journal of Clinical Nutrition, p.
764-768, 1985.
CURI, R.;
LAGRANHA, C. J.; PROCOPIO, J. Ciclo de Krebs como fator limitante na utilização
de ácidos graxos durante o exercício aeróbico. Arq Bras Endocrinol Metab, v.47,
n.2, p. 135-143, 2003.
AUER, R. N.
Progress review: hypoglycemic brain damage. Stroke, v. 17, n. 4, p. 699-708,
1986.
DE COURTEN-MYERS,
G.; HWANG, J. H.; DUNN, R. S.; MILLS, A. S.; HOLLAND, S. K.; WAGNER, K. R.;
MYERS, R.E. Hypoglycemic brain injury: potentiation from respiratory depression
and injury aggravation from hyperglycemic treatment overshoots. J Cereb Blood
Flow Metab, v. 20, n. 1, p. 82-92, 2000.
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