Qual
praticante, atleta ou até mesmo profissional do treinamento resistido
(especialmente musculação) não se viu, em determinado momento, cheio de
dúvidas quanto ao volume de treino? Qual quantidade de séries e
repetições seria, pelo menos teoricamente, mais produtiva para o aumento
da massa muscular?
Qual seria, então, o volume de treinamento ideal?
Em linhas gerais, temos que pontuar que, para o praticante de
musculação, o objetivo mais almejado é o aumento do volume muscular,
conhecido como hipertrofia. Neste contexto, devemos lembrar que a
hipertrofia não se apresenta como aptidão ou valência física, sendo
portanto, uma alteração resultante da demanda oferecida pelo
treinamento. A principal aptidão física que resultaria em aumento
muscular é, nesta perspectiva, a força muscular – esta, por sua vez,
obtida através do que denominamos sobrecarga de treinamento.
Ainda centrados neste raciocínio, percebemos que a força, então
valência neuromuscular, também pode se apresentar – não obrigatoriamente
– como co-fator gerador de hipertrofia. Daí surge então, a importância
em todos os protocolos de hipertrofia, independentemente da natureza de
sua sobrecarga, de amplificá-la de forma periódica e crescente. Nesta
dimensão, concluímos que o aumento da força se revela como um bom
indicador – porém, não completamente fidedigno – de hipertrofia. Em
outras palavras, aumento de força pode se manifestar apenas como um
incremento da capacidade neuromuscular, não necessariamente sendo
responsável pelo aumento da seção transversa do músculo.
Outro detalhe oportuno acerca do assunto é o entendimento de que a
divisão clássica de séries e repetições utilizada no treinamento
resistido, consiste em fornecer estímulos que estejam dentro de um
metabolismo energético especifico. Significa dizer que as repetições são
fracionadas em séries a fim de que os estímulos estejam situados dentro
de uma zona restrita, especificamente a faixa de produção de energia
alática a lática. De outra forma, não necessitaríamos de 3 séries de 12
repetições; faríamos as 36 repetições ininterruptas e – pronto!
Uma vez que entendemos a natureza intervalada do treinamento
resistido, vamos agora procurar esmiuçar o que ocorre quando se executam
altas ou baixas repetições e, consequentemente, apontar para o que
seria melhor para a hipertrofia em termos de volume de repetições.
Muitos autores têm publicado recentemente, estudos que buscam
estabelecer o aspecto quantitativo deste tipo de trabalho. Os puristas,
através de anos e anos de tentativas e erros, determinaram, de forma
empírica, uma certa “divisão” do número de repetições ideal para cada
objetivo específico: repetições altas para definição e repetições baixas
para volume musculares. Extremamente simplista, mas com um fundo de
verdade…
O que ocorre, na realidade, é que não existe uma linha imaginária que
delimite tal manifestação. Seria o mesmo que dizer que a partir de 15
repetições se aumentariam o tônus e a definição muscular; ao passo que,
abaixo de 8 repetições, aumentariam volume e força musculares. Puro
simplismo.
O que de fato ocorre, em termos gerais, é que a faixa de repetições
compreendidas entre 8 a 12 produzem grande tensão na estrutura
miofibrilar – ora, se são executadas menos repetições, obviamente
existirá a possibilidade de levantar mais carga! – o que levaria ao
trauma físico da fibra; por outro lado, as repetições acima desta faixa –
notadamente entre 15 a 20 repetições, não provocariam tanta tensão no
tecido muscular, não produzindo, portanto, tantos danos de natureza
mecânica, mas principalmente química (acidificação do meio, sinalização
de fatores de crescimento, ação de proteases etc.), mas ainda assim
resultando em um outro tipo de hipertrofia muscular. Atualmente, a
maioria dos autores atribui à sobrecarga produzida por baixas repetições
aumento de hormônios como a testosterona e fatores de crescimento, e
aos protocolos de altas repetições aumento de GH, somatomedinas e também
fatores de crescimento.
Desta forma, se faz uma divisão crassa entre os protocolos de baixas e
altas repetições como sendo, ambos responsáveis por hipertrofia, porém,
respectivamente tensional (miofibrilar) ou metabólica
(sarcoplasmática). Contudo, tal divisão não soluciona nossa dúvida
central. Já possuímos o conhecimento de que ambas as sobrecargas existem
e foram documentadas, porém qual seria o volume de trabalho – ou seja, o
número de repetições – ideal para o aumento do volume muscular,
independentemente da natureza morfológica?
Outra peculiaridade que não podemos nos omitir remete ao tempo de
contração observado em cada protocolo. Obviamente, numa perspectiva
simplista, sem maiores variáveis a serem consideradas, uma das grandes
diferenças entre os dois protocolos é a duração – aqui, mensurada pela
grandeza tempo – do período em que o músculo se encontra em contração.
Assim sendo, muitos autores sugerem que não se contem repetições, mas
que se cronometre o tempo de contração do exercício. Neste caso, é
estabelecida uma determinada duração do exercício e então, só depois é
ajustada a carga. Note que, em ambos as metodologias (contagem, tempo), a
carga sempre estará em segundo plano.
O que concluímos da assertiva acima? Certamente, se você leva a sério
seus treinamentos, já deve ter percebido que a quantificação de
repetições é apenas elemento norteador. Não devemos nos tornar autômatos
em relação ao número de séries; elas cumprem somente papel de orientar
qual estímulo está sendo aplicado. Em outras palavras, repetições são
contadas no mero intuito de registrar a zona de esforço e (ou)
quantificar os resultados. Não são necessariamente uma meta inflexível a
ser cumprida; ou você acha que os músculos perceberão a sutil diferença
de 10 para 12 repetições?
Entretanto, mesmo depois de contemplar todos estes aspectos, nossa
dúvida permanece: qual, seria então, o número ideal de repetições: altas
ou baixas? Na iminência de cairmos, mais uma vez, em um grande dilema,
façamos então, uma associação entre repetições baixas e altas a,
respectivamente, hipertrofia tensional e metabólica – pelo menos a
titulo de organização das ideias.
Reza a lenda que certa vez foi perguntado a Muhammad Ali quantas
flexões ele fazia em seus treinos. Ali, com toda a simplicidade,
respondeu: – “Não sei, só conto depois que começa a doer!” Tal
comportamento mostra que muitos atletas e treinadores optam por não
levarem tão rigorosamente os protocolos de volume de treinamento. No
entanto, se quisermos assumir uma postura investigativa, devemos
recorrer ao método. E a quantificação, como já foi descrito, entra como
referência a fim de se estabelecerem as zonas ideais de estímulo.
Muitos pioneiros dos ferros utilizavam altas repetições em seus
treinos, especialmente de membros inferiores. Tom Platz, um dos maiores
desenvolvimentos de membros inferiores até hoje, executava cerca de 30
repetições em agachamentos com mais de 220 kg! Somente na década de 80, a
partir da popularização dos treinos de baixo volume e altíssima
intensidade de Mentzer e Jones, é que se preconizaram as baixas
repetições como sendo ideais para o crescimento muscular. Porém, ao
mesmo tempo, a escola alemã de powerlifting também defendia o outro lado
da moeda, trabalhando com altas repetições. Era o chamado GVT (German
Volume Training).
Em um estudo publicado pelo Journal of Applied Phisiology, Mitchell
et al relataram a mesma magnitude de hipertrofia em sujeitos do sexo
masculino, divididos em grupos que realizaram 3 sets de repetições altas
(30% de 1-RM), 3 sets de repetições baixas (80% de 1-RM) e 1 único set
de repetições baixas (80% da 1-RM). Os resultados em hipertrofia do
grupo de altas repetições foram idênticos ao grupo de baixas repetições.
O grupo de uma única série foi o único que não demonstrou mudanças
significativas.
Já em outro estudo da Mcmaster University publicado em Abril deste
ano, conduzido por pesquisadores do Canadá, além de serem confirmados
resultados semelhantes aos citados acima, também aponta para os
protocolos de altas repetições uma manutenção da força proporcionada
pela alternância entre treinamentos de baixo e alto volume. Esta
constatação corrobora com os atuais estudos sobre periodização;
atestando a não necessária aderência ao treino de força mesmo como
coadjuvante para modalidades onde a força pura é fator primordial.
Apesar de muitos autores defenderem que a planilha de periodização
para treinamentos voltados para a força e volume musculares deve ser
composta predominantemente por protocolos de baixas repetições e alta
intensidade, as pesquisas têm nos mostrado a importância das repetições
altas não somente como fator de resistência muscular localizada, mas
também como uma ferramenta importante para o crescimento e manutenção da
força muscular, especialmente para o treinamento de membros inferiores.
Entendendo que as adaptações aos diferentes tipos de estímulos
produzem resultados semelhantes no aumento da seção transversa da
musculatura, porém com alterações morfológicas distintas, concluímos que
ambas sobrecargas são igualmente importantes, não devendo, pois, mesmo
em situações onde a valência física explorada seja apenas força e
potência, negligenciar os protocolos de alto volume.
Neste contexto, deliberar sobre o que seria ideal em termos de número
de repetições seria um tanto quanto arbitrário. Uma vez que, de fato,
temos a informação de que o paradigma das baixas repetições como fator
exclusivo de crescimento muscular vem sendo desmistificado, devemos
atentar para a possibilidade de inclusão de novas formas de treinamento,
onde as repetições altas tenham seu lugar. A maior utilização deste
tipo de protocolo nas planilhas de treinamento se mostra não somente
como uma alternativa para a especificidade do treinamento, ganhos de
resistência localizada, aumento do condicionamento cardiovascular,
prevenção de lesões etc. mas também como um co-fator de aumento da
hipertrofia.
Desta forma, a sugestão é se adicionem aos programas de treinamento
que contêm baixas e moderadas repetições (6 a 15), altas repetições (20 a
30). Evidentemente, não devem ser utilizadas em um mesmo período, de
sorte que sejam distribuídas na planilha de acordo como o tipo de
periodização (linear ou ondulatória). Microciclos de choque e (ou)
transição com inclusão de repetições altas são uma boa opção.
Experimente, após um período de força com volumes baixos de treino,
aplicar um choque com altas repetições em um mesociclo curto, ou
vice-versa. Também, no caso de periodização ondulatória, poderia ser
interessante alternar microciclos de baixo, moderado e alto volume, não
necessariamente nesta ordem.
Obviamente, todos estes estudos precisam de mais e mais aplicações para serem efetivamente conclusivos. No entanto, uma coisa é certa. A necessidade de alternância entre os treinos com baixo e alto volume é uma realidade; não tampouco pela questão da periodização em si, mas sobretudo pelo surgimento de uma nova ótica que vem sendo, pouco a pouco, melhor entendida pelos estudiosos da atividade física. Até, não despreze a inclusão de repetições altas em seu treino!
BONS TREINOS E ATÉ A PRÓXIMA!
Referências:
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MILLAR ID, et al, Mammary protein synthesis is acutely regulated by the cellular hydration state. Biochem Biophys Res Commun, 230 (2):351-5 1997 Jan 13
HOLM L, et al, Changes in muscle size and MHC composition in response to resistance exercise with heavy and light loading intensity, Journal of Applied Physiology, Nov 2008, 105:1454-1461
BURD N, et al, Bigger weights may not beget bigger muscles: evidence from acute muscle protein synthetic responses after resistance exercise. Applied Physiology, Nutrition, and Metabolism, 2012, 37:551-554, 10.1139/h2012-022
MITCHELL, CJ, et al, Resistance exercise load does not determine training-mediated hypertrophic gains in young men. J Appl Physiol, 2012 Abril 19; 10.1152/00307
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